domingo, 3 de janeiro de 2010

Azul

“Se a comédia que representei agradou, aplaudam-me.”

Disse,pouco antes de morrer.
Em português perfeito.

Era um preto forte, com seus oitenta anos. Carregava sempre um punhado de tabaco e um cantil cheio de pinga.
Rondava o pasto com uma cara de sonso, que lembrava as feições de uma vaca indiana. Era caseiro da fazenda desde que me lembro, desde que me dou por gente...E sempre foi velho...Creio que saiu do ventre da mãe já com seus sessenta anos, como quem tem medo do mundo e se acomoda na cama biológica de sangue materno.
Parecia ser portador de sabedoria ancestral, de quem viu os rios se formando e as rochas virando areia.
Todos o chamavam de “Escravo”, apelido que parecia ter orgulho de carregar. Eu me sentia um coronel cafeeiro filho da puta quando me referia a ele desta forma.
Me ensinou a montar, a perceber quando o gado está infeliz...Dizia coisas sobre ervas e parecia conhecer a cura de todas as mazelas humanas.
Um dia,me disse:

“Mas o sinhô sabe, que carrego nas costa todo o peso da Terra, aí ando meio curvo e acham que eu to velho e cansado. To curvo porque oceis pesam demais.”

Acho que o escravo era Deus.

Nenhum comentário: