segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

entrevista com o pintor

-Fale sobre o seu processo de criação

.
-Como demais. Como absolutamente tudo, exceto comida. Fico pesado e roliço, saio rolando pelas ruas in speed of light.
Volto para casa, erro a medida do café, esqueço de comprar o chá, faço o baseado com um papel cheio de idéias geniais.E elas se perdem para sempre no ar.
Mastigo espuma velha que fugiu do rasgo do sofá que fica dentro do meu quarto. Espuma com gosto de bunda intelectual visionária. Ouço música, tenho uma overdose sonora. Gasto todo o meu dinheiro com coisas bem idiotas, como coçadores de costas feitos de aço cirúrgico. E depois passo horas transando com todos os objetos da minha casa.
Ah! E claro, saio de roupão no quintal, e dou bom dia para as crianças barulhentas que destroem o meu jardim.

-Mas você não mora em um apartamento?

-Um...Isso é verdade. Esquece a parte do quintal. Mas meu amigo, realmente tenho um roupão azul formidável.

- Essa coisa toda de ter relações com objetos domésticos...Você possui uma vida sexual ativa?

- Se isso significar ter muitos orgasmos, posso dizer que sim.

-Um sonho?

-The child is grown The dream is gone... Desculpe, mas eu adoro essa música. Toda a vez que eu escuto/leio a palavra “sonho” preciso cantar. Uma vez eu li em um out-door. “O sonho da casa própria está prestes a se realizar” ou coisa assim. Cantei essa música durante horas e horas.
Ah, um sonho... Só tenho sonhos durante a noite, e não me lembro da maioria. Durante o dia eu VIVO em um sonho. Um sonhozinho muito do desgraçado inclusive.

-Um trauma?

-...tismo craniano. HA HA HA HA.

(NINGUEM RI NO AUDITÓRIO)

Am...ok. Ter perdido minha planta carnívora em um jogo de poker. E meu carro. E todos os meus objetos de higiênie pessoal. Jogos com cartas são perigosos amigo, principalmente se jogados em alguma cidade latina bem furreca.

-Que cidade latina você foi?

-
Não me lembro. Acho que foi...er.... Bom, as pessoas não falavam português lá. Deve ter sido por isso que perdi o jogo.

- Qual sua maior curiosidade?

-Gostaria de menstruar um dia.

( SILÊNCIO INQUIETANTE NO AUDITÓRIO)



-Seus trabalhos são admirados no mundo inteiro, como explica tanto sucesso em tão pouco tempo?

-Os meus admiradores não entendem meu trabalho. Por isso são meus admiradores. Eles pensam que eu penso em algo quando estou pintando, mas na verdade só faço com que pensem que eu penso, enquanto na verdade não penso em nada.

- Como você era na juventude?

-
Como assim rapaz? Eu ainda sou jovem! Só peça para a produção trazer a minha fralda geriátrica pois está na hora de me trocar.


( RISOS FORÇADOS NO AUDITÓRIO )


... Hehehehe. Na verdade, quando era jovem não tinha medo da morte. Mas cagava quando tinha de me deparar com a vida.

- O que mudou?

-
Agora eu tenho medo de ficar broxa.

- Não existe nenhum ponto positivo em envelhecer? A experiência adquirida,por exemplo?

- A minha vida está chegando ao final, me diga o que eu vou fazer com toda a minha experiência? Enfiar ela no cu?

- Por favor,não use esse linguajar. Crianças assitem esse programa.

- Ah, desculpe. Mas é que na minha infância não existia televisão e eu aprendi a falar palavrões do mesmo jeito.
Enfim... A experiência é adquirida com a idade, isso é óbvio. Mas o corpo já não funciona bem, logo eu fico com toda a minha experiência flutuando dentro do meu quarto, cheio de remédios para hipertensão e pomadas para hemorróida.

- Então, para você não existe nenhum ponto positivo na velhice?

- Tenho certeza que existe sim, para a industria farmaceutica.

-Você poderia dar algum concelho para a juventude?

- Pessam para qualquer entidade espiritual para que nunca fiquem velhos. Nem que para isso seja necessário vender a própria alma. Ela não tem serventia nenhuma, alem de ser objeto de discussão em capelas e rodinhas de bar.

- Você se considera uma pessoa religiosa?

- Você realmente fez essa pergunta?

- Er... Tudo bem. O que para você, está errado no mundo atual?

-
As pessoas.

- E no passado?

- As pessoas.

- Alguma sugestão para resolver o problema no mundo?

- Matar todas as pessoas.

- Não acha essa solução meio...Radical?

- Pode ser. Mas é lógica.

- Mas qual é o problema com as pessoas?

- Todas elas possuem um compromisso inadiável com a vaidade.

- Você se considera incluso nesse grupo de vaidosos?
-
Não é um grupo. É uma espécie. Sendo eu pertencente a espécie humana, sim, isso me faz um incurável vaidoso.

- Então você é uma pessoa pessimista?

- Procuro ser.

-Por que?

- Otimistas escrevem muito mal.

- Você escreve?

- Não, mas caso um dia eu começe detestaria fazer isso de mal jeito.

- Você nunca foi casado, por quê?

- Não gosto da idéia de ter que assistir uma pessoa se deteriorar do meu lado ao longo dos anos. É meio triste.

- Mas, você nunca se apaixonou?

- Claro que sim. Me apaixono todos os dias por alguém ou alguma coisa. E tudo isso se deteriora. Gosto de manter a essência das coisas na minha cabeça, livre das intempéries. Acho que o maior ato de nobreza que posso fazer. Manter tudo sempre vivaz.

- Você disse que a alma não serve para nada, e acabou de valorizar a essência. Alma não é esscência ?

-
Não.

- O que é alma para você?

- Ectoplasma,acho.

- Am... O que você acha que os outros pensam com relação a você?

- Devem me achar meio esnobe.

- O que você pensa a respeito de si mesmo?

- Eu acho que sou meio esnobe. Deve ser esse echarpe... Me deixa com um jeito metido.

( PESSOAS QUE USANDO ECHARPE SE ENTREOLHAM NO AUDITÓRIO )

- O que uma pessoa precisa ser, para ser atrativa para você?

-
Por que a pergunta? Você vai tentar me agradar? Hahahaha

- Não é essa a minha função,haha.

- Sorte sua. Bom acho que a inteligência é algo afrodisíaco, pessoas inteligentes me atraem.

- O que é inteligência para você?

- A incrível habilidade de rejeitar aquilo que é imposto por grande parte do mundo. O mundo é errado,mas é persuasivo.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Azul

“Se a comédia que representei agradou, aplaudam-me.”

Disse,pouco antes de morrer.
Em português perfeito.

Era um preto forte, com seus oitenta anos. Carregava sempre um punhado de tabaco e um cantil cheio de pinga.
Rondava o pasto com uma cara de sonso, que lembrava as feições de uma vaca indiana. Era caseiro da fazenda desde que me lembro, desde que me dou por gente...E sempre foi velho...Creio que saiu do ventre da mãe já com seus sessenta anos, como quem tem medo do mundo e se acomoda na cama biológica de sangue materno.
Parecia ser portador de sabedoria ancestral, de quem viu os rios se formando e as rochas virando areia.
Todos o chamavam de “Escravo”, apelido que parecia ter orgulho de carregar. Eu me sentia um coronel cafeeiro filho da puta quando me referia a ele desta forma.
Me ensinou a montar, a perceber quando o gado está infeliz...Dizia coisas sobre ervas e parecia conhecer a cura de todas as mazelas humanas.
Um dia,me disse:

“Mas o sinhô sabe, que carrego nas costa todo o peso da Terra, aí ando meio curvo e acham que eu to velho e cansado. To curvo porque oceis pesam demais.”

Acho que o escravo era Deus.

sábado, 2 de janeiro de 2010

bunda

Como me irrita a sua bunda, tão santinha tão macia, tão demente. Como me irrita seu vestido caro,que esconde sua bunda cara que se senta em cadeiras caras de madeira nobre.
Você, bunda-de-elite, que se junta a outras bundas de várias cores e conversa animadamente. Como a perfeita bunda que é, só diz merda o tempo todo. A bunda mais detestável do Velho Oeste.
Almeja uma bunda que se pareça com você, em forma e tamanho, porque apesar de ser constituída de duas nádegas (como toda boa bunda) se sente incompleta. Ah...Pobre bunda solitária e incompreendida.
Bebe seu conhaque, de canudinho. Além de ser detestável, ainda é uma bunda bêbada; para completar, cheira cocaína o tempo todo. Bunda detestável,bêbada e drogada.
Não gosta de azul ou verde, detesta MPB e comida chinesa. Assiste seriados americanos e nunca lê jornal.
De vez em quando, deseja ser algo diferente de uma mera bunda...Talvez um par de peitos ou umas coxas torneadas.

Mas não adianta, quem nasce bunda,morre bunda.
Como diz a profecia.